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Teatro: as duas faces da máscara

  • Rita Asseiceiro
  • 25 de mai. de 2019
  • 6 min de leitura

“Cada português entra na vida com duas coisas: um projecto de salvação nacional e uma peça de teatro”, escrevia-se em 1911 no Século Ilustrado. O teatro tornou-se a paixão de muitos ao longo da sua existência. Quer seja em cima do palco, quer seja nos bastidores a fazer produção ou design de cena, o espírito do teatro está presente.


Desde a Segunda Guerra Mundial que o teatro ansiou por um momento de renovação. Surgiram, então, correntes teatrais modernas em toda a Europa. No entanto, durante o Estado Novo, essa modernidade que emergiu foi sendo posta de lado. A censura tomou conta do teatro, tal como todas as artes em Portugal. No entanto, não foi isso que impedia os atores de tornarem as suas peças uma crítica social, como conta Anita Guerreiro: “Faziam-se coisas sobre Salazar e sobre outras pessoas. O teatro era exatamente isso, a crítica, não era nunca a dizer-se mal, mas falava-se muito em política e no estado em que estava o país”.



Anita Guerreiro Maria Candal Filipe Crawford


Com a chegada do 25 de abril de 1974, o panorama do teatro alterou-se. Se por um lado a censura acabara e passou a haver uma aceleração da divulgação de peças até aí proibidas, principalmente de teatro de revista. Por outro, Maria Candal é da opinião que “simplesmente já não tinha aquela graça porque era tão fácil de atirar com as graças e com as críticas cá para fora. Lentamente foi morrendo o teatro de revista”. Também Anita Guerreiro considera que “nunca mais tivemos essa época. O teatro acabou”. Começaram a surgir muitos teatros. Uns mantiveram-se, outros foram desaparecendo ao longo dos anos. Mas não há dúvida que foram vários os que deram vida à cidade de Lisboa durante o século XX, como por exemplo o Maria Vitória, o Variedades, o Capitólio, o ABC, o Tivoli, o São Jorge e o espaço emblemático do Parque Mayer.



Com o decorrer dos anos, deu-se o aumento do movimento de afirmação e de caracterização cultural das periferias. Foi durante este percurso que foram surgindo novas gerações de atores que trouxeram uma nova carga criativa ao teatro. Filipe Crawford, durante a sua entrada para o mundo do teatro, não sentiu qualquer dificuldade, visto que “na altura ninguém queria ser ator. Diziam inclusive que era uma profissão que não existia”. No entanto, nos anos 80 começaram a surgir dificuldades para os jovens atores entrarem no mercado de trabalho do teatro. “Não é difícil entrar no mundo do teatro. Difícil é ficar no mundo do teatro”, afirma Gonçalo Morais, finalista na Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC). No entanto, esclarece que na sua área de formação – produção – existe falta de pessoas, pelo que se torna mais fácil de entrar no mercado. Iara Sousa, aluna de primeiro ano da ESTC, acrescenta as principais razões - “eu acho que, por um lado, podemos ver esse lado que é difícil ser grande no teatro porque a cultura é pouco valorizada pelo nosso país. Mas, por outro lado, eu acho que é um mundo muito acessível a qualquer pessoa. Há imensas companhias amadoras que estão prontas para receber pessoas, difícil é fazê-los ficar e fazê-los agarrar”.



Andreia Mayer; Gonçalo Morais | Diana Especial; Iara Sousa; Catarina Fernandes| Daniela Simm


A pouca valorização alia-se à falta de financiamento no teatro e nas artes no geral. Em Portugal, não existe um estatuto de carreira de ator - “qualquer pessoa que queira, que manifeste vontade, tenha ou não formação, pode exercer a profissão”, salienta Filipe Crawford. Este ciclo vicioso acaba por se revelar numa diminuição da adesão das pessoas ao teatro. Em comparação, nos anos 90, o teatro português deparou-se com um crescimento significativo do número de espetáculos apresentados, o que demonstra um aumento do interesse das pessoas pelo teatro. No entanto, tal não se manteve assim. O registo mais baixo foi de 120 espetadores por sessão, no ano de 2011. No entanto, os números oscilam entre 2010 e 2017, verificando-se um aumento para o valor de 194 espetadores no ano de 2017. Apesar de o número de espetadores ter vindo a diminuir, em cada sessão de teatro, o valor de receitas de bilheteira tem vindo a aumentar, concluindo-se que o valor do bilhete acaba por subir para compensar a falta de adesão das pessoas.



Portugal tem vários tipos de teatro em cena. Desde o teatro de revista, o pós-dramático, as comédias, o teatro musical ou teatro imersivo, são vários que caracterizam a panóplia teatral portuguesa. Apesar disso, Portugal tem um mercado de teatro muito pequeno, poucas são as peças que têm sucesso e os atores não têm muita opção de escolha. Por um lado porque Portugal não exporta tantos atores como outros países. Mas também porque muitos atores escapam-se para o mundo da televisão, não só para ganharem maior rendimento, mas também para obterem maior notoriedade. Aquando da presença de Anita Guerreiro nas peças de teatro ainda não existia televisões, no entanto considera que o seu aparecimento “roubou um bocadinho o público aos teatros”.


As novas gerações têm um papel muito importante no futuro do teatro, principalmente de renovar e dar uma lufada de ar fresco. No entanto, para tal é necessário que haja uma renovação das gerações, dando oportunidade aos mais novos de conseguirem ter um papel preponderante na mudança do teatro. Diana Especial, aluna de 1º ano da ESTC, considera que é necessário haver uma maior divulgação do teatro e das peças em cena para criar interesse às pessoas para irem ver. Já para Gonçalo Morais o grande problema de haver pouca adesão “não é culpa das pessoas, é do teatro, porque sempre foi o teatro que pôs as pessoas de parte”, uma vez que o teatro do século XX era muito destinado às elites, logo a um nicho de pessoas. Para além disso, condena também o “método de ensino português que sempre meteu de parte as artes”.


O teatro é considerado uma indústria cultural. Contudo, segundo o autor David Hesmondhalgh, o teatro é considerado uma indústria cultural periférica, visto que são utilizados métodos não industriais. Com a evolução da sociedade, o teatro também precisou de se desenvolver. A par e passo com a tecnologia, surge então o teatro digital como uma forma de arte híbrida. É através do teatro digital que se engloba atores e audiência presente com media digital, como videoconferência, projeção de média, animação 3D, inteligência artificial. Coube a esta inovação rejuvenescer o teatro, no entanto Filipe Crawford considera que “a revolução do teatro não passa necessariamente por aí. A tecnologia pode servir e muito bem, mas não é isso que vai criar estética teatral ou que vai mudar o teatro”.


O vídeo e o multimédia tomaram conta de algumas peças de teatro, de modo a tornar o espetáculo mais apelativo e interessante para o público atual. Já Daniela Simm, ex-aluna da ESTC, considera que o teatro digital “aproximar-nos-ia, só que depois também iria ser cansativo porque tudo o que se repete satura-se. Portanto eu creio que a forma mais saudável de dar continuidade ao teatro é realmente trabalharmos sobre esta comunicação para que depois a outra, a tecnológica, seja possível”.


Contudo, o surgimento do teatro digital não provocou o aumento das idas ao teatro como provavelmente se esperava. Por outro lado, o autor Simon Stewart afirma que é necessário ter outras experiências albergadas à experiência principal – o teatro - para tirar o melhor partido da mesma. No entanto, a opinião por parte dos alunos entrevistados é unânime. Andreia Mayer, finalista no curso de produção da ESTC, e Iara Sousa, aluna de 1º ano da ESTC, focam que o facto de haver cafés, lojas e outras experiências associadas ao teatro levaria a que se perdesse a sua essência. Já Filipe Crawford considera que é algo complementar - “um espaço cultural do teatro se tiver esses complementos é melhor, fica mais enriquecido”. O Teatro D. Maria, em Portugal, é um dos que alberga um restaurante e uma livraria, de modo a complementar a experiência teatral.



A fórmula para tornar o teatro apelativo não é linear. Os gostos variam consoante a audiência e é cada vez mais difícil agradar a todas elas. O grande desafio do teatro é combater a comodidade que cada vez se apodera mais das pessoas. É necessário o teatro aproximar-se “das pessoas. A cultura também só chega se as pessoas quiserem aproximar-se. A melhor forma de chegar à pessoa é através da experiência. No entanto, não acredito que seja através de cafés”, afirma Daniela Simm.


Andreia Mayer apresenta uma ideia inovadora e simples de teatro - “não tenho aquela ideia que para ir ao teatro temos que estar sentados numa sala e ficar ali a olhar”. O primeiro passo, afirma, passa por sair à rua, fazer teatro ao ar livre, de forma a cativar as pessoas. O próximo passo é, então, fazer com que as pessoas queiram ir a uma sala de espetáculo. O teatro aos olhos de um jovem “pode ser tudo e pode ser nada, desde que seja bem feito, desde que seja boa arte, pode ser feito onde quisermos e da maneira que quisermos”.


Ao fim e ao cabo, o que fica são as memórias que o teatro deixa nas pessoas. Para tal, desafiamos todos os entrevistados a definir teatro numa palavra.



Edição de vídeo de Madalena Costa

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